Aurora dos novos dias, A
CorrespondĂȘncia
CARTA DO SR. MATEUS SOBRE OS MÉDIUNS TRAPACEIROS32

“Paris, 21 de julho de 1861.
“Senhor,
“Pode-se estar em desacordo sobre certos pontos e de perfeito acordo sobre outros. Acabo de ler, na página 213 do último número do vosso jornal, algumas reflexões acerca da fraude 32 N. do T.: Vide O Livro dos Médiuns – 2a parte, capítulo XXVIII, item 317. em matéria de experiências espiritualistas (ou espíritas), às quais tenho a satisfação de me associar com todas as minhas forças. Aí, quaisquer dissidências a propósito de teorias e doutrinas desaparecem como por encanto.

“Não sou talvez tão severo quanto o sois, com relação aos médiuns que, sob forma digna e decente, aceitam uma paga, como indenização do tempo que consagram a experiências muitas vezes longas e fatigantes. Sou, porém, tanto quanto o sois – e ninguém o seria mais – com relação aos que, em tal caso, suprem,quando se lhes oferece ocasião, pelo embuste e pela fraude, a falta ou a insuficiência dos resultados prometidos e esperados.

“Misturar o falso com o verdadeiro, quando se trata de fenômenos obtidos pela intervenção dos Espíritos, é simplesmente uma infâmia e haveria obliteração do senso moral no médium que julgasse poder fazê-lo sem escrúpulo. Conforme o observastes com perfeita exatidão – é lançar a coisa em descrédito no espírito dos indecisos, desde que a fraude seja reconhecida. Acrescentarei que é comprometer do modo mais deplorável os homens honrados,que prestam aos médiuns o apoio desinteressado de seus conhecimentos e de suas luzes, que se constituem fiadores da boafé que neles deve existir e os patrocinam de alguma forma. É cometer para com eles uma verdadeira prevaricação.

“Todo médium que fosse apanhado em manobras fraudulentas; que fosse apanhado, para me servir de uma expressão um tanto trivial, com a boca na botija, mereceria ser proscrito por todos os espiritualistas ou espíritas do mundo, para os quais constituiria rigoroso dever desmascará-los ou infamá-los.

“Se vos convier, Senhor, inserir estas breves linhas no vosso jornal, ficam elas à vossa disposição.

“Aceitai, etc.

Mathieu”

Não esperávamos menos dos sentimentos honrados que distinguem o Sr. Mathieu, senão esta enérgica reprovação, pronunciada contra os médiuns de má-fé. Teríamos ficado surpresos, ao contrário, se ele tivesse encarado com frieza e indiferença tais abusos de confiança. Eles podiam ser mais fáceis,quando o Espiritismo era menos conhecido; mas, à medida que esta ciência se espalha e é mais bem compreendida, que melhor se conhecem as verdadeiras condições em que os fenômenos podem produzir-se, por toda parte encontram-se olhos clarividentes,capazes de descobrir a fraude. Assinalá-la, onde quer que ela se mostre, é o melhor meio de a desencorajar.

Disseram que era preferível não desvendar essas torpezas, no próprio interesse do Espiritismo; que a possibilidade de enganar poderia aumentar a desconfiança dos indecisos. Não somos desta opinião e pensamos que mais vale que os indecisos sejam desconfiados do que enganados, porque, desde que soubessem tê-lo sido, poderiam afastar-se para sempre. Aliás, haveria um inconveniente ainda maior aos que cressem que os espíritas se deixam iludir facilmente. Ao contrário, estarão tanto mais dispostos a crer quanto mais virem os crentes cercar-se de maiores precauções e repudiar os médiuns susceptíveis de enganar.

O Sr. Mathieu diz que talvez não seja tão severo, quanto nós, em relação aos médiuns que, sob forma digna e decente, aceitam uma paga, como indenização do tempo que consagram à matéria. Estamos perfeitamente de acordo que pode e deve haver honrosas exceções, mas, como o atrativo do ganho é uma grande tentação e os iniciantes não têm a necessária experiência para distinguir o verdadeiro do falso, mantemos nossa opinião de que a melhor garantia de sinceridade está no desinteresse absoluto, porque onde não há nada a ganhar, o charlatanismo nada tem a fazer. Aquele que paga quer alguma coisa por seu dinheiro e não se contentaria se lhe dissessem que o Espírito não quer agir. Daí a descoberta dos meios de fazer o Espírito atuar a qualquer preço, não há senão um passo, conforme o provérbio: quem não tem cão caça com gato. Acrescentamos que os médiuns ganhariam cem vezes mais em consideração o que deixassem de ganhar em proveitos materiais. Diz-se que a consideração não faz viver. É verdade que não basta, mas, para viver, há outros ofícios mais honestos do que a exploração das almas dos mortos.
R.E. , agosto de 1861, p. 352